Share |

Vila Franca de Xira - crónicas de um reino medieval

No passado dia 15 de janeiro, cerca de 80 trabalhadores do CBEI – Centro de Bem Estar Infantil de Vila Franca de Xira (antigo CASI – Centro de Assistência Social Infantil, obra do  saudoso Padre Vasco Moniz, fundada em 1944), entraram em greve para reivindicarem o pagamento de salários em atraso referentes ao mês de Dezembro, situação inaudita, de que não temos memória ter existido no CBEI.

 

Convém referir que o CBEI presta serviços relevantes à comunidade, assegura Jardim de Infância (Educação Pré-escolar), AEC - Atividades de Enriquecimento Curricular e ATL – Atividades de Tempos Livres a cerca de 400 crianças, e fornece refeições escolares a vários agrupamentos do concelho, com cada vez mais queixas relativamente à sua qualidade, a que não será estranho o aumento das dívidas a fornecedores, bem como a queda paulatina do valor das matérias-primas consumidas. Assegura emprego a cerca de 120 trabalhadores (entre efetivos e contratados). Os problemas desta IPSS – Instituição Particular de Solidariedade Social, e os riscos para a sua continuidade, têm uma dimensão significativa, muito para além das suas dificuldades e do drama que constitui para estes trabalhadores e suas famílias não receberem salário, com um claro e nefasto impacto concelhio.

A Direção atual mantém, no essencial, os elementos do mandato anterior, continuando a ser presidida pelo arquiteto Gil Teixeira.

Como se chegou aqui é algo que só uma auditoria poderá esclarecer cabalmente, tanto mais que, entre 2016 e 2018, os resultados líquidos foram sempre positivos. No último balanço disponível, este resultado é de cerca de 28.000€, mesmo com um passivo a fornecedores na ordem dos 179.000€, o qual representa um aumento de 46.000€ (+35%) relativamente a 2017. Regista-se, em 2018, recurso a crédito bancário na ordem dos 245.000€, mais cerca de 168.000€ (+318%) do que no ano transato, o que indicia que já então haveria problemas de tesouraria. É com surpresa que se verifica que, entre 2016 e 2018, as contas patentes não estão assinadas por um ROC – Revisor Oficial de Contas, de acordo com o que é exigido por lei, para uma instituição com um balanço igual ou superior a 1.500.000,00€ e pelo menos 50 trabalhadores, como é o caso do CBEI.

Aparentemente, o esforço financeiro exigido pela Segurança Social para adequar o edifício sede na R. Dr. Vasco Moniz a novos requisitos foi muito para além da capacidade financeira desta IPSS, de acordo com o que é referido no relatório de gestão de 2018 sobre esta matéria.

Para além das considerações de índole mais técnico-financeira que se possam fazer sobre a gestão do CBEI, há também as políticas. O atual presidente, no cargo desde 2016, reeleito no dia 18 de Dezembro de 2019 para um novo mandato de 3 anos, é um destacado militante do PSD da concelhia de Vila Franca de Xira, que já ocupou vários cargos partidários, nomeadamente o de assessor da Vereadora Zita Seabra, eleita pelo PSD, no mandato 1997-2001, a primeira vez que o PS ganhou as eleições autárquicas no concelho de VFX. Desde essa época, já lá vão mais de 20 anos, a coligação PS-PSD governa a Câmara de Vila Franca de Xira, com momentos mais altos e outros mais baixos e variados arranjos, mas sempre em forte ligação, certamente inspiradora para o leitmotif do atual Executivo, ainda que muitas vezes esta relação não seja publicamente mencionada.

No percurso do arquiteto Gil Teixeira, conhecedor profundo dos corredores dos Paços do Concelho enquanto assessor de Zita Seabra, o que não é de somenos, destaca-se também ser ex-marido da Vereadora Helena de Jesus, eleita pela Coligação Mais (PSD, CDS-PP, MTP e PPM) que, no Executivo, assegura o pelouro da Divisão de Habitação e Intervenção Social, do qual dependem as IPSS do concelho nas suas valências sociais, sendo, ainda, advogada do CBEI.

Se a situação de ex-cônjuges por si só nada nos diz sobre as suas relações políticas, para além de ambos militarem no PSD, já a utilização da morada do escritório de advocacia da Dra. Helena de Jesus como sede social da empresa de construção do arquiteto Gil Teixeira, a Gil Teixeira & Associados – Soluções Globais de Projetos e Construção Lda., é reveladora das boas relações comerciais entre ambos.

Resta saber se o contrato de empreitada assinado entre a Câmara Municipal de Vila Franca de Xira e a Gil Teixeira & Associados, em 14 de setembro de 2017, nas vésperas das últimas eleições autárquicas, resultante de um ajuste direto, para a requalificação do recinto desportivo e dos espaços exteriores do CBEI, à época já presidido pelo arquiteto, no valor de 101.025,20€, foi rubricado no escritório da Dra. Helena de Jesus ou na sede da Gil Teixeira & Associados - apesar da partilha de moradas.

Hesitamos nas considerações a tecer sobre o facto de o arquiteto Gil Teixeira ter sido contratado pela Câmara de Vila Franca de Xira, também por ajuste direto, a 21 de fevereiro de 2019, como consultor para a área de ambiente e gestão de espaços públicos, serviços a que corresponde a quantia de 1.857,20€ mensais (bruto) durante 3 anos. Seguramente será merecido, embora não lhe conheçamos curriculum como consultor para a área de ambiente ou de gestão do espaço público, mesmo que possa haver quem considere que existe impacte ambiental considerável numa das obras mais emblemáticas do seu gabinete - a (inacabada) “basílica” de Povos.

Obviamente, o resultado de tudo isto só poderá ser um, haja um mínimo de decência da parte dos protagonistas: quem deixou chegar a situação a este ponto não será certamente a solução para a superação dos graves problemas que o CBEI enfrenta, garantindo o bem-estar da população e a salvaguarda da prioridade do interesse público.

 

Carlos Patrão

Vereador do Bloco de Esquerda na Câmara de Vila Franca de Xira

 20-01-2020