Voz Ribatejana - Que avaliação faz do trabalho desenvolvido pelos órgãos autárquicos da União de Freguesias neste último ano e até que ponto souberam responder aos novos desafios colocados pela pandemia?
João Fernandes - A pandemia do Covid-19, que ainda nos deve manter muito alerta, obrigou as autarquias a alterar a linha de ação que constava dos Orçamentos aprovados no final do ano passado e a responder a uma realidade sem paralelo, para a qual ninguém estava preparado. Esta crise começa por ser sanitária, rapidamente se torna social e económica, e os impactos são súbitos, imprevistos e não sabemos quanto tempo durarão. Daqui por uns anos, à luz do conhecimento que então tivermos, saberemos julgar melhor sobre as decisões tomadas nestes últimos meses, mas uma primeira avaliação leva-nos a crer que as autarquias souberam responder cedo e, com isso, ganhar tempo e poupar danos. Mesmo antes de haver uma diretriz clara a nível nacional, as autarquias cancelaram eventos, fecharam equipamentos públicos e vedaram o acesso a espaços exteriores de usufruto coletivo (como parques infantis ou passeios ribeirinhos). Além disso, surgiram algumas iniciativas de cariz social inovadoras. A comunicação, no entanto, poderia ter sido mais eficaz em vários casos.
Que medidas julga fundamentais para que a União de Freguesias consiga enfrentar os próximos meses que serão necessariamente complicados a nível sanitário e económico?
A resposta que a nossa sociedade der à crise económica terá de saber estar à altura dos principais desafios dos nossos tempos. A intervenção pública na economia deve apostar na transição verde, na transição digital e resolver problemas estruturais da sociedade e do território, como as desigualdades sociais. Na União de Freguesias, deve fazer-se a parcela desse trabalho que compete às autarquias no quadro da sua vocação de proximidade, sendo este o momento de lançar uma corajosa estratégia de apoio ao comércio local e de ser criativos no âmbito da ação social.
Defendemos que os comerciantes devem beneficiar, pelo menos até ao final do ano, de isenções já experimentadas durante o período do Estado de Emergência, como aquelas que incidem sobre as taxas de esplanadas ou sobre as bancas dos mercados. Deverá ser lançada uma campanha a favor do consumo local. O espaço público deverá receber novos equipamentos e mobiliário, desde bancos a bebedouros, para encorajar um novo relacionamento dos cidadãos com o espaço exterior, facilitando também a criação de esplanadas nos estabelecimentos de menor dimensão, mesmo que à custa de alguns lugares de estacionamento. Proteger o comércio local é combater as desigualdades sociais, é consolidar os tecidos urbanos e torná-los mais coesos, e é abrir novas possibilidades à economia familiar. Só o consumo local poderá retirar automóveis das estradas, trazer o peão para as ruas e aliviar o território da pressão logística.
Para responder à crise e evitar impactos mais fortes que estamos ainda a tempo de minimizar, as autarquias não devem, este ano, olhar a custos, mas sim pensá-los como investimentos naquilo que é a sua missão essencial: cuidar das populações. Consideramos que, este ano, nem a Junta de Freguesia nem a Câmara Municipal devem apresentar saldos de gerência positivos, devendo pelo contrário reforçar o apoio social direto ou em parceria, e ajudar a economia local e familiar a não sucumbirem a uma crise profunda. Se não percebermos que este é o momento de ajudar quem tem sempre ficado para trás, deixaremos que a crise agrave os problemas sociais que já existiam.
Acha que Alverca tem evoluído de acordo com o seu estatuto de cidade ou tem ainda muitos problemas e lacunas? Quais? Porquê?
Alverca foi a primeira localidade portuguesa que, não sendo sede de concelho, foi elevada a cidade, e esperou-se que esse fosse um momento de viragem. Foram cultivadas expectativas de que a cidade de Alverca, após deixar de ser uma vila de forte componente industrial, conhecesse um franco desenvolvimento humano. Essas expectativas, em grande medida, não tiveram o devido cumprimento. A expansão urbana deu-se sem uma evolução do tecido económico no sentido da criação de emprego qualificado e da atração de atividades de elevado valor acrescentado. Longe de ganhar uma autonomia funcional, Alverca alargou o seu território à sombra de outras cidades, prevalecendo a sua vocação residencial e logística. Hoje, Alverca é, infelizmente, o somatório de bairros e urbanizações que não souberam criar redes, que pouco comunicam entre si; há pouco diálogo social entre espaços, as ruas separam os bairros em vez de uni-los, e o centro da localidade não se afirma como centro de convívio e de atividades económicas. Isto é um problema porque uma cidade que não partilha um sentimento de unidade está menos apta para debater o que é coletivo.
Como é que, no seu entender, deveriam ser assinalados estes 30 anos da elevação a cidade?
Durante os meses da primavera e do verão, há inúmeros eventos que têm decorrido ao longo dos últimos anos e que, perante a atual realidade, não poderão ter lugar. Tal é o caso das Festas da Cidade e de São Pedro, da Culturalverca, do Maio Maduro Maio, e do Dia da Cidade. Todos estes eventos, na nossa opinião, poderiam ter sido pensados na perspetiva da transição digital. Nesse sentido, a sua realização virtual, com forte difusão nas redes sociais, poderia ter servido para que a Junta de Freguesia se posicionasse fortemente no digital, comunicando mais e melhor nestes meios.
O Dia da Cidade, em 2020, não poderá ser esquecido porque, precisamente, assinalam-se as três décadas de Alverca enquanto cidade. Há personalidades e coletivos que devem ser homenageados e a quem deve ser dada a palavra, é uma ocasião para a própria cidade ser objeto de uma reflexão partilhada e para ser equacionada a participação e a pronúncia da sociedade civil. Sem recusar à partida a possibilidade de que alguma sessão possa ser organizada de acordo com as indicações da DGS, com um reduzido número de presenças, consideramos que esta é, sem dúvida, uma oportunidade de a Junta de Freguesia apostar no digital como meio de comunicação.