Dia 5 de julho será discutido no Plenário da Assembleia da República o Projeto de Lei n.º 879/XIII/3.ª, do PAN, que propõe a abolição de corridas de toiros em Portugal.
O PAN quer proibir as Corridas de Toiros, mas da sua agenda fazem parte muito mais proibições: proibir de seguida todos os espectáculos com toiros, esperas incluídas, depois com todos os animais, numa próxima fase o imposto sobre o consumo de proteína animal, em nome de uma alimentação saudável, à boa maneira do ambientalismo de direita, que preconiza a sobre-taxação do consumo de bens essenciais - o açúcar, e as bebidas açucaradas e alcoólicas não são um bem essencial, ao contrário da carne. A direita neo-liberal irá apoiar esta medida “ecológica” com entusiasmo. Na mesma linha, defender-se-á a proibição da pecuária, como já se vai antevendo com os manifestantes “vegan forever”, que perseguem as exportações de gado por via marítima, e numa leitura mais atenta do seu programa eleitoral. Mais à frente, é visado o abate de animais para consumo. Adivinha-se uma polícia para controlar o que podemos e não podemos comer e beber, como numa qualquer teocracia - esta é uma especulação minha, na medida em que é uma consequência lógica do que se lê nas linhas e entrelinhas do manifesto eleitoral do PAN, que manifesta uma deriva anti-ciência. Não aceitar as evidências científicas é um traço que une as teocracias, seja qual for a religião. Alguns acreditam que a pecuária é um obstáculo ao desenvolvimento, e, até, o maior problema do mundo – e não valorizam as conclusões da Ciência, nem o conhecimento dos veterinários sobre a saúde e o bem-estar dos animais.
O que acabei de descrever é a agenda política do PAN, parte dela explícita, outra mais envergonhada. As Touradas são o seu alvo prioritário, no curto prazo, para depois poderem avançar com a criminalização dos maus tratos a animais de produção, lembram-se do Vídeo – Açougue? Do meu ponto de vista, com tudo isto, vão abrindo caminho ao capitalismo Vegan, importado do centro da Europa, contra a dieta mediterrânica, como já se vê em cadeias de hipermercados, no Lidl por exemplo, com as suas secções Vegan.
Sem pecuária, não há dieta mediterrânica. A sustentabilidade dos ecossistemas mediterrânicos, como o montado de sobro no Alentejo, o olival tradicional ou a lezíria ribatejana, dependem da pecuária extensiva, na qual se inclui a criação de toiros de lide. Sem ela, a fertilização dos solos, o controlo de espécies infestantes e pragas e o combate aos fogos seria muito mais oneroso, pois obrigaria à utilização de fertilizantes artificiais, pesticidas e aceiros, acabando por ser insustentável do ponto de vista económico e ecológico, transformando o país no interior e a sul do Tejo numa paisagem árida, como a meseta espanhola. Sem consumo de carne, que se deseja moderado e equilibrado, não é possível mantermos a nossa dieta mediterrânica, uma das mais equilibradas do mundo, que contempla vegetais, mas também carne, peixe, ovos, lacticínios e seus derivados. Não podemos importar de forma cega as lutas anti-pecuária de países como a Holanda e a Bélgica, mais pequenos e populosos que Portugal e com muito mais cabeças de gado, em produção intensiva, porque a pressão sobre o meio ambiente é muito menor em Portugal (tabela no documento pdf. em anexo).
Voltando às touradas, o extremar de posições contra a tauromaquia, sem as mudanças sociológicas que lhe sejam desfavoráveis, acaba por funcionar ao contrário do pretendido, levando mesmo ao recrudescimento do número de espectáculos, e ao crescimento da assistência e de eventos.
Em Vila Franca de Xira, a assistência às corridas de toiros aumentou quase 50% de 2016 para 2017, em parte devido ao “fim da crise”, mas também por causa do clima de guerrilha que é movido à tauromaquia. Em 2018, estes números vão continuar a subir, pois já foi criado mais um novo evento, a Semana das Tertúlias, com mais duas largadas e uma corrida de toiros, que encheu a praça (tabela no documento pdf. em anexo).
Proibir um espectáculo que tem audiências de mais de um milhão de espectadores por ano (fonte IGAC), terá custos políticos para quem acompanhar o PAN nesta posição; serão elevados, nomeadamente no Ribatejo e no Alentejo, onde a tauromaquia é um espectáculo popular e de massas, que supera o Futebol em assistências.
Recordo que foram as campanhas contra os toiros de morte em Barrancos, na época com o apoio do BE, que levaram à sua legalização, em Barrancos e Monsaraz. No limite, a proibição das corridas de toiros a nível nacional, se for aprovada, poderá originar referendos locais para a sua legalização, o que no caso de Vila Franca de Xira pode conduzir à concretização de corridas com toiros de morte, um velho sonho dos aficionados da Sevilha portuguesa.
A tauromaquia teve o apoio e foi musa de grandes vultos em todas as expressões artísticas e épocas, só para citar alguns nomes: Júlio Pomar, Alves Redol, Pedro Almodôvar, Georges Bizet, Ravel, Manuel de Falha, J. Coltrane, Picasso, Miró, Dali, Goia, Luís Buñuel, Orson Welles, Ernest Hemingway, Camilo José Cela, Pablo Berger, Amália Rodrigues, Henrique Campos, Ava Gardner, F. Garcia Llorca, e muitos outros, a lista seria interminável. Diabolizar as corridas de toiros com um cartel de apoiantes como este é um trabalho de Hércules, pois são nomes incontornáveis da cultura e das artes, incluindo muitos politicamente de esquerda.
Por todas estas razões e outras, todo o cuidado é pouco nesta matéria. Seremos presa fácil da direita se apoiarmos este projecto de lei, pois, ao contrário da CDU, não temos um PEV para apoiar o PAN e um PCP para votar contra, e ficar de bem com Deus e com o Diabo.
A cultura democrática está em construção permanente, e as tentações de proibicionismos salvadores de “sistemas virtuosos” não lhe são estranhas – não costumam levar a bons caminhos. As ideias diferentes debatem-se sem insultos nem pressa, com persistência, se quisermos promover a mudança de opinião, e a mudança de políticas por apoio popular, como deve ser em democracia. A voragem mediática que insinua bondade em tudo o que aparece nas notícias do dia não nos deve impedir a sensatez. As decisões políticas razoáveis e responsáveis devem ter em conta não apenas os desejos ou intenções anunciados expressamente, mas também as consequências e os efeitos previsíveis, no curto e no longo prazo. Se o que pretendermos, porém, for dar um recado e promover a obediência a um ou outro “dogma”, ou convicção de alguns, por mais legítima que seja, não estamos a tratar de democracia mas de outra coisa, que não é, para mim, uma coisa de esquerda.
Faço um apelo ao bom senso na votação deste projecto de lei.
Carlos Patrão*, vereador eleito do Bloco de Esquerda em Vila Franca de Xira
(*) Não aficionado
23 de Maio de 2018, Vila Franca de Xira.
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