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A situação do transporte público coletivo na Área Metropolitana de Lisboa

O conhecimento do nosso território municipal, das dinâmicas que aqui se operam e, bem assim, as respostas para os desafios que temos pela frente, exigem um olhar de âmbito metropolitano. O município de Vila Franca de Xira não existe nem se compreende senão num sistema urbano muito mais vasto e complexo, de interdependências intensas e até imprevisíveis, como é, em primeira instância, a Área Metropolitana de Lisboa. Neste sentido, há que reconhecer que a convocação desta sessão de Assembleia Municipal tem o mérito de, por uma vez, centrar a nossa discussão e a nossa reflexão nesta importante escala - a metropolitana - em que tantas respostas têm de ser dadas e que cada Município, por si só, não consegue dar por lhe escaparem as competências para além dos seus limites territoriais.

E se reconhecemos a inequívoca interdependência dos territórios que constituem a Área Metropolitana de Lisboa, teremos de reconhecer a importância ímpar do tema da mobilidade para o planeamento de uma metrópole mais coesa e funcional. Se reconhecemos que uma muito significativa percentagem da população dos municípios da Área Metropolitana exerce a sua atividade profissional, estuda ou recorre aos mais diversos serviços num concelho diferente daquele em que reside, ou se reconhecemos que a subida imparável - porque resultante de uma ausência de regulação pública - dos preços da habitação no concelho de Lisboa tem empurrado para a periferia aqueles e aquelas que não suportariam os preços atualmente praticados: teremos também de reconhecer, forçosamente, que a mobilidade é uma questão da máxima importância para garantir um funcionamento em rede destes territórios e que, mais ainda, constitui uma necessidade social. A Área Metropolitana de Lisboa não se assumirá como um espaço urbano coeso, acessível ou funcional se a mobilidade não for pensada à larga escala ou não for percebida como um direito inalienável dos cidadãos, como uma parte integrante do direito à cidade.

E a discussão sobre uma mobilidade democrática não pode senão centrar-se no tema da oferta e da utilização de transportes públicos coletivos, cuja rede deve chegar a todos os cidadãos e ter capacidade competitiva para se assumir como a primeira escolha destes para as suas deslocações quotidianas. Uma sociedade inclusiva não pode colocar no cidadão a obrigatoriedade de possuir uma viatura própria para a sua integração social, para o acesso ao emprego, para o seu reconhecimento como parte deste ser coletivo que é a cidade. Além disso, a defesa, em primeiro lugar, do transporte público é a defesa dos nossos recursos: uma política de reforço da oferta de transporte público coletivo, que consiga retirar automóveis das nossas estradas, será uma política que combaterá a dependência energética do país, que será ambientalmente mais responsável e, simultaneamente, mais saudável. A crescente dispersão urbana tem aumentado as externalidades, os custos escondidos do paradigma de mobilidade que temos hoje em dia, impactando nos orçamentos do Estado e das autarquias ao nível da saúde, do ensino, do ambiente e em custos sociais por demais visíveis. Defender o transporte público é defender, pois, um Estado Social capaz, sustentável e durável.

Vemo-nos, pois, chegados ao debate para o qual fomos hoje chamados. Estamos reunidos na freguesia que constitui o extremo norte da Área Metropolitana de Lisboa, de entrada e de saída desta grande cidade que é a Lisboa alargada. No concelho de Vila Franca de Xira, uma importante parte da população desloca-se diariamente para outros concelhos, com destaque para o concelho de Lisboa. E, no entanto, a prioridade política ao transporte público coletivo tem faltado há muito tempo. Aqueles que utilizam a linha ferroviária da Azambuja conhecem bem as implicações de uma política de desinvestimento na ferrovia. As ligações ferroviárias são menos frequentes do que há uns anos, a comodidade oferecida saiu prejudicada e os preços dos bilhetes, ano após ano, aumentam. A amplitude do serviço não permite a deslocação dos cidadãos que necessitem ou queiram regressar de Lisboa após a 00h15 (hora do último comboio na estação de Santa Apolónia com destino a este concelho). Esta hora precoce a que o serviço é interrompido contrasta com as ligações a outras áreas da metrópole: o último comboio entre a estação do Rossio e Sintra parte à 1h da manhã, o último comboio para Cascais parte à 1h30 no Cais do Sodré, onde também, dez minutos mais tarde, parte ainda uma ligação fluvial para Cacilhas, e a última ligação fluvial para o Barreiro sai do Terreiro do Paço às 2h da manhã. Quando a CP oferece transporte suplementar durante a madrugada, especificamente por ocasião de festividades como a passagem de ano, a noite de Santo António ou grandes concertos, Sintra e Cascais jamais são esquecidos mas os habitantes ao longo da linha da Azambuja são esquecidos quase sempre. E se a frequência de serviço é claramente insuficiente durante os dias úteis para assumir o comboio como primeira opção em detrimento do automóvel, o que dizer da oferta aos fins de semana, com apenas um comboio suburbano por hora? E recordemos ainda a ideia, há menos de três anos saída do Gabinete do Vereador da Câmara Municipal de Lisboa Manuel Salgado, de encerrar definitivamente a Estação de Santa Apolónia.

O preço dos bilhetes dos transportes públicos figura como outro dos problemas essenciais, associado também à exclusão da grande maioria do território deste concelho da coroa L123 e, por isso, do acesso ao passe intermodal metropolitano. Num recente estudo à qualidade de vida dos residentes no concelho de Lisboa, quando perguntada a razão para não utilizarem mais os transportes públicos, os cidadãos maioritariamente responderam dizendo que a diferença de preço não compensa. Se isso é verdade para um residente na cidade de Lisboa, com uma oferta mais regular de transportes públicos e acesso a um passe intermodal que custa, sem descontos, 36€ - o que dizer dos habitantes do concelho de Vila Franca de Xira, para quem um passe que os leve a Lisboa custa facilmente mais de 70€ para uma oferta verdadeiramente ocasional de ligações ferroviárias à capital?

Temos de entrar definitivamente no tempo das soluções integradas, contrariando a metodologia pela qual, nas últimas décadas, se tem intervindo publicamente na rede e oferta de transportes públicos de forma meramente casuística. É preciso integrar as diferentes modalidades de transporte e, com especial atenção, ter em consideração as especificidades do território. Lembremo-nos bem de que o nosso concelho, apesar da já mencionada necessidade premente de um grande investimento na ferrovia, é bem mais vasto do que as cidades e freguesias da beira do Tejo. É imperativo pensar uma mobilidade que integre uma resposta às necessidades das populações dos “montes”, longe dos grandes eixos viários estruturantes, e que têm sido sempre esquecidas. A evidente incapacidade de os operadores privados, mesmo quando funcionando em concessão (com contratos por vezes não cumpridos), oferecerem serviço público em áreas de cariz rural, obriga-nos a considerar com seriedade soluções diferentes.

No sentido de conseguir impor-se uma abordagem integrada à questão da mobilidade, com maiores benefícios e com maior eficiência de custos e externalidades, é tempo de considerar seriamente a criação de um operador único, como existe, por exemplo, na região metropolitana de Paris. A mobilidade na Área Metropolitana não se resolve enquanto a CP Lisboa concorrer com a Rodoviária de Lisboa pela atração dos mesmos utentes, a Carris com o Metro, a Transtejo com a Fertagus, e assim por diante, pois nenhum destes operadores consegue responder sozinho à necessidade de reduzir o número de automóveis em circulação. É necessário um operador e, desde logo, um regulador que saiba ver a rede no que ela tem de estrutural no território e intervenha, planeando estrategicamente, para uma resolução integrada de todos os problemas e na invenção de soluções inovadoras que acompanhem a permanente intensificação dos fluxos internos à própria metrópole, como a circulação de autocarros de pequena dimensão em áreas de baixa procura ou a criação de uma rede de metropolitano de superfície em áreas de fluxo médio de passageiros onde o comboio não chega e onde as únicas vias de circulação instaladas são rodoviárias. Esse operador único deverá também lograr um maior equilíbrio tarifário, para que as populações mais periféricas da Área Metropolitana sejam apenas mais periféricas – não mais marginalizadas.

Os habitantes deste concelho querem ser cidadãos de pleno direito da Área Metropolitana de Lisboa e, como parte integrante da mesma, não merecem menos do que isso. É importante que esta Assembleia manifeste, unanimemente, a absoluta necessidade de investimentos e de boas decisões relativamente à oferta de transportes públicos coletivos que valorizem este território. Qualquer política futura que não resolva ou melhore o que aqui foi descrito, ou que continue sem entender a mobilidade como um direito dos cidadãos e a transição ecológica das cidades como um dever da atualidade, será uma política insuficiente.

 

Castanheira do Ribatejo,

1 de março de 2018

Os eleitos do Bloco de Esquerda